O Pedido Do Morto: 04


Alexandre não respondeu, apenas tossiu devido a fumaça a arranhar a sua garganta.

O Pedido Do Morto: 04

Alexandre tossiu devido a fumaça a arranhar a sua garganta. Dovatahuim, enquanto esperava pela resposta, andou pela sala, com passos lentos e arrastados, mas sempre mantendo a mesma distância. Os seus olhos estudavam o seu antigo companheiro, apenas não conseguiu reconhecer a majestosa capa branca.

-Belo manto. Onde conseguiu? Se bem que essa informação não me interessa já que serei o próximo dono, pois seria um desperdício deixá-la enfeitando um morto - e riu da sua provocação, mas o rosto de Alexandre se manteve sólido, como uma pedra.

-O silêncio não lhe cai bem. Onde estão os outros? Será que eles vão aparecer para salvar o seu pescoço? - falou Dovatahuim olhando para o jardim coberto pela noite e depois para o iluminado corredor da sala. - Ou será que também vão lhe abandonar como fizeram comigo? - e então ergueu sua gigantesca espada assumindo uma posição de combate.

-Como você escapou da prisão? - falou Alexandre deixando suas memórias de lado.

-O conde possui servos de luz em todos os lugares. Através deles eu recuperei a minha liberdade. Agora, para libertar a minha amada cidade, eu preciso do Olho que roubamos e da cabeça de todos os criminosos. Onde vocês esconderam o Olho de Fogo?

-Tomou um vampiro como mestre? Já ouvi muitas tolices, mas essa foi longe demais!

-Não! Eu só sirvo ao meu país! Se para salvar toda a população daqueles vermes morcegos eu só preciso matar um punhado de estrangeiros e entregar o meu pescoço... não vejo problema - terminou de falar soltando uma forte expiração e finos jatos de chamas, do tamanho de agulhas, saltaram de suas narinas mostrando o ebulir da sua impaciência. - Não me faça repetir outra vez, Alexandre, onde está o Olho?

-Você ficou louco! Saiba que o Olho está em um lugar seguro, deixamos nas mãos de Ligente. Você nunca vai conseguir de volta!

-Vocês... Vocês... - e então riu, e tossiu, e em algumas das suas exageradas gargalhadas dedos de fogo saltaram da sua língua de cobra afiada. - VOCÊS DEIXARAM COM UM UNICÓRNIO? QUE RAIOS DE PLANO É ESSE!?

-Sim! Você subestima o poder dela - falou Alexandre sacando apenas metade da sua espada. Antes de terminar o movimento ele resolveu tentar as palavras mais uma vez. - Dovatahuim, nós estamos em uma jornada para arrumar a arma para derrotar aquele monstro. Por que não trabalhamos juntos? Como nos velhos tempos.

-Agora é tarde demais - falou o meio-dragão avançando com um passo largo e descendo a espada, em um movimento de norte a sul, em conjunto com o seu urro.

Alexandre termina de sacar a espada e bloqueia o golpe de Dovatahuim com o seu escudo. O cantar dos metais reina sobre a sala. A força do golpe do meio-dragão chega a tirar um pouco do seu equilíbrio, mas não o impede de desferir uma resposta. O resultado é uma ferida superficial na perna esquerda do seu oponente. Alexandre recua, aumenta a distância, mas ao ver as escamas vermelhas do pescoço de Dovatahuim se tornando douradas como ouro a refletir a luz do sol ele se arrepende da sua decisão e avança apressado. As chamas voam em sua direção, primeiro em seu protegido rosto pelo escudo, e depois descem lambendo as suas pernas. O metal, que as protegia, esquenta e o que deveria ser o seu anteparo torna-se a sua tormenta. O fogo toca no tecido da capa, mas não consegue infligir qualquer mal. O paladino continua com a sua investida ignorando a dor e o calor.

Usando o escudo como um aríete ele se joga contra o rosto de Dovatahuim. Após acertar em cheio ele lança um ataque com a espada procurando o mesmo alvo. Esse segundo golpe resulta em um corte raso na testa do meio-dragão, mas - dessa vez - o que amenizou uma ferida mortal foi a destreza do seu oponente. Separados pela distância de dois passos o meio-dragão fala:

-Enfim um golpe de quem defende a própria vida - tocou a sua nova ferida com a mão esquerda, esfregou entre os dedos o seu sangue azul e continuou. - Eu cheguei a arriscar as minhas escamas lutando ao seu lado. Quem diria que chegaríamos a esse ponto - terminou a frase rindo com a sua voz gutural, durou apenas um fôlego, e então, com o sorriso já morto, falou. - Eu fiz tanto por vocês! Até estranho o quanto me arrisquei para lutar ao lado de míseros estrangeiros. Mas não estranho que os meus atos não tenham sido retribuídos. Vocês fugiram e me largaram naquela maldita masmorra! Engraçado, engraçado, tão engraçado que me deixa até curioso. Me diga: onde você guarda a sua lealdade, paladino?

Ao lado da lei! Nós não o abandonamos! Só partimos de lá quando tivemos a certeza que você teria um julgamento justo. Quando tivemos a certeza de quem você recebeu as ordens para fazer...

-Não recebi ordens de ninguém! Não recebo ordens de NINGUÉM! E JUSTO? O que aquele julgamento teve de JUSTO? Me diga, quais foram os meus crimes? Alexandre, tenha ao menos a coragem de mostrar o seu rosto!

-Quer mesmo que eu diga? - falou Alexandre removendo o elmo e jogando ao chão. Ao ler nos olhos de Dovatahuim a resposta para a sua pergunta ele continuou. -Tudo bem! Você falsificou um título de nobre, assassinou dois mantos-vermelhos para acobertar o seu crime. As feridas que você deixou naqueles homens: tortura! Dovatahuim, o que você buscava com esse ato? - perguntou Alexandre, depois balançou a cabeça em desaprovação a sua pergunta. - Não, não, eu não quero a sua resposta. Você entrou nesse caminho, já até foi julgado, agora arque com os seus atos. Aceite a sua condenação - e então aumentou a força dos seus dedos sobre o cabo da sua lâmina, estava decidido sobre o que tinha que ser feito: enfrentar, sem dúvidas, o seu antigo companheiro.

-Pelo menos você se deu o trabalho de ouvir um lado da história - falou Dovatahuim enquanto levantava a espada para o próximo ataque. As escamas vermelho-sangue do seu pescoço clarearam outra vez, pequenas labaredas escaparam entre os seus dentes afiados e cerrados. Então ele deu um passo rápido em direção a Alexandre.

-Falei com homens dignos, eles não mentiriam sobre os seus crimes! E ainda tinham testemunhas! - gritou o paladino levantando o escudo cobrindo o seu rosto, mas parando antes dos seus ferozes olhos.

-FALOU COMIGO? - gritou enquanto descia com um golpe somando toda a sua força e peso.

Alexandre defendeu com o escudo, o impacto sobre a sua proteção foi tão forte que fez o seu braço ser esticado para trás do seu corpo. Revidou com a ponta da sua espada ficando no ombro esquerdo de Dovatahuim. Eis que a luminosidade aumentou no pescoço do meio-dragão. Não havia como se proteger.... nem tempo para fugir...

-O meu elmo... Luz, me guarde!

As chamas escaparam da boca de Dovatahuim, mas - para a surpresa de Alexandre - elas fluíram sem forças para voar, caíram como cascata sem sequer o tocar. Eis que o meio-dragão foi ao chão de joelhos com as suas chamas e olhos apagados. Dovatahuim foi de bruços ao chão como uma árvore assassinada a machadadas.