O Pedido Do Morto: 01


Acobertados - pela noite sem lua - e ocultos, por árvores e arbustos, dos olhares “curiosos” dos sentinelas nas muralhas; um grupo de cinco sombras...

Acobertados - pela noite sem lua - e ocultos por árvores e arbustos dos olhares “curiosos” dos sentinelas nas muralhas; um grupo de cinco sombras trocam suas últimas palavras antes de seguir com o plano de invasão à cidade portuária Quermarpolis. Eis que a sombra do mais alto adulto fala:

-Eu ainda não estou acreditando que Zlatan conseguiu convencer a mulher do morto a reunir a sua família e fugir conosco. Nós vamos basear o nosso plano em uma possível mentira, é isso? - o dono dessas palavras era Miguel, sua descendência de nobre estava impregnada em sua armadura, armas e capa.

Seus pertences espelhavam a majestosa riqueza da sua família e o diferenciava da plebe que o cercava. Diferente do seu pai e irmãos, que caçaram a honra e a glória através da vida de cavaleiro, Miguel seguiu o caminho do sacerdócio. Mas o deus que escolheu não fugia do “tom” da sua família, não dava as costas ao campo de batalha; o deus que escolheu só via honra nas ferramentas que moldavam a guerra.

No outro extremo do círculo, encarando Miguel, estava Zlatan. Sua estatura e aparência fazia com que muitos tivessem a errônea conclusão de que se tratava de uma magra criança. Mas o seu sangue, na verdade, pertencia ao de uma rara raça aos olhos humanos, aos dos pequenos Halflings. Todos os pertences de Zlatan estavam mergulhados em seu longo manto cinza. A única parte que escapava era a sua mão direita e, dançando entre os seus dedos, corria uma moeda de ouro que acabara de escapar do bolso de algum distraído colega. Zlatan mordeu a moeda e falou:

-Fique aqui, ou fiquem aqui, só Zlatan basta - ao terminar deu as costas para o grupo e foi seguindo em direção às muralhas negras de Quermarpolis.

-Espere! Nós concordamos em seguir o plano - falou Alexandre enquanto pesava a mão sobre o ombro de Miguel para que ele desistisse de seguir com a rixa.

A armadura de Alexandre o engolia em metal, só os seus olhos castanhos escapavam desse frio mar cinza e em suas costas estava o único pertence que se destacava dos demais em valor, destacava-se mais até que as roupas de Miguel, era a sua capa que com o seu tom branco e dourado apresentava uma graça divina; celestial. O seu carisma foi - e é - o responsável por manter unido esse grupo com pessoas tão distintas.

-Zlatan não segue plano, plano segue Zlatan - respondeu puxando o capuz do seu manto cinzento. Ao fechar o movimento as cores do ambiente o abraçaram, o camuflaram, e Zlatan desapareceu a vista dos quatro.

-Não está esquecendo de nada, Zlatan? - perguntou Alexandre.

-Hã?! - retrucou, a sua voz surgia sem revelar o seu corpo.

-De quem é a moeda que está em seus dedos?

-De Zlatan!

-E antes de “ser” de Zlatan?

-...

-De quem é?

Um som abafado nasceu entre os pés de Corcoran, ele dobrou as pernas até os seus braços se apoiarem nas coxas, abaixou a vista, para descobrir o que era, e vislumbrou uma moeda em meio a grama e escuridão. Os seus únicos pertences eram o seu cajado de madeira, suas roupas - simples como a de um camponês - um colar enfeitado com bolas do tamanho de um polegar feitas de madeira e algumas moedas soltas nos bolsos. Em seu pulso, cicatrizes das correntes que o encarceraram na infância; forjadas na sua breve escravidão. Toda vez que as encarava, ele sorria, pois essas marcas o lembravam a felicidade de ser livre.

-Mais ouro? Não preciso - respondeu o monge humano encarando, com desinteresse, o seu pertence largado ao chão. - Pode ficar.

Zlatan não respondeu, ou não ouviu. Eis que Lepettit falou sentado em sua vassoura, flutuando na altura de Miguel:

-Que seja, Corcoran! Guarde ou jogue fora, faça caridade, sei lá, isso não me importa, não me importa. Estamos perdendo tempo, muito tempo com bobagens. Deixe ele. Tenho certeza que vai estar no local combinado.

Os seus olhos trabalhavam - mesmo na escuridão - por detrás dos seus redondos óculos sobre as palavras do seu grimório. Sua estatura era idêntica a de Zlatan, mas com uma barriga mais saliente. Ass suas vestes volumosas eram compostas por diferentes tons azuis de um céu aberto e iluminado e o seu sangue pertencia à raça dos gnomos. Com uma das mãos segurava o grimório, já a outra acariciava a longa ponta do seu bigode escuro como as sombras que o rondava.

Após ouvir as palavras de Leppettit, Corcoran apanhou a sua moeda, em silêncio, se afastou do grupo e iniciou o seu ritual de alongamentos.

-Devíamos expulsar Zlatan do grupo. Não posso misturar o meu sobrenome com esse tipo - falou Miguel com a palma das mãos à mostra, depois fechou os braços sobre o peito.

-Calma, Miguel. E antes que mais alguém concorde, lembrem que ele sempre trouxe mais soluções que problemas - falou Alexandre estudando os olhos de todos. - Lepettit, o seu corvo já chegou na casa da viúva?

-Hum - respondeu Miguel em uma tosse descartando da sua mente as palavras de Alexandre.

-Já chegou. Preto está contando a quantidade de guardas. Até agora só encontrou dois. A viúva está na sala principal da casa, suas crianças estão nos quartos do primeiro andar e o sogro está dormindo na sala de leitura. Agora que tenho a atenção de vocês, vamos, mais uma vez, rever o nosso bendito plano! A chave do sucesso é o planejamento! Não vou tolerar mais esse grupo deixar tudo de presente ao acaso, isso nos custou algumas cicatrizes e por um fio. Quase. A minha. Vida. Ou já esqueceram? - falou Lepettit fechando o seu grimório. Abaixou um pouco os óculos e olhando sobre eles, para Miguel, continuou. - Lembrando, o primeiro que irei deixar invisível será você, Miguel. Você vai se dirigir para a parte ferida da muralha. Só não conseguirá passar por lá invisível se cometer alguma bobagem. Quando chegar na sala da viúva, toque em Preto. Dessa forma eu vou saber que você chegou, só aí removerei a magia e lançarei outra sobre Alexandre. Todos...

-E eu sou homem de fazer bobagens? - perguntou Miguel interrompendo Lepettit. - Me toma como um tolo, é isso? Deixe de falar besteira e me dê o que prometeu, gnomo - falou estendendo a mão direita, a sua fé e sangue ferviam na esperança de encontrar um bom embate.

-Gnomo?! Esqueceu o meu nome, ou ainda está com rancor do resultado do nosso duelo? - falou Lepetti abaixando mais ainda os óculos, estavam quase a deslizar e cair da ponta do seu gordo nariz. - Continuando. Só depois disso poderei lançar a magia sobre Alexandre e...

-A sorte soprou a seu favor, gnomo, apenas isso. E se não foi sorte, por que você não aceita o meu pedido de revanche? Minhas preces contra esse seu livro de meias palavras, o que me diz?

-Terá que melhorar esse convite com uma aposta: se derrotado você vai abrir mão do seu título de nobre. Não, melhor: você vai destruir o seu símbolo divino.