O Mergulho


Sentado em uma cadeira de praia, da cor do céu limpo e das ondas que vigiava, ele respirava o sabor do vento frio e a solidão na maresia...

O Mergulho

Sentado em uma cadeira de praia, da cor do céu limpo e das ondas que vigiava, ele respirava o sabor do vento frio e da solidão na maresia que o amargava. O seu velho corpo se queixava de dores nas costas, joelhos, quadril e até dos ombros, mas a areia seca, abraçando os seus pés, era um cobertor que o agradava. Nenhuma companhia, nem mesmo de estranhos ou de animais. Nesta manhã, além dele, nada, nem ninguém, feriram a orla com pegadas. Os seus pensamentos se resumiam em lembranças que surgiam e iam como o levantar das ondas. E foi hipnotizado por essa dança que ele assistia, sem cores, o filme da sua vida.

Começou pela infância, mas só encontrou cenas vazias e as palmas das suas mãos castigadas. Parou, fechou os olhos, e tentou soprar para longe o vazio que o seu peito carregava, e então encarou as mãos do seu eu existente. Cicatrizes daquele passado se mesclavam com as que foram cavadas pelo tempo. Juntou as palmas, entrelaçou os dedos com a força de quem se prepara para a sua última oração, e lançou os seus olhos negros para o mar mais uma vez.

Nesse novo mergulho encontrou um bar simples com apenas duas mesas de madeira e um balcão. Dois estranhos sentados interrompem a sua partida de damas e erguem suas bebidas e mãos em sua direção. Amigos... é a palavra que o seu coração solitário canta, mas a sua mente, cansada, não encontra os respectivos nomes. Esses dois homens não param de abrir e fechar sorrisos, mas as palavras que saiam não ganharam nenhum som ou sentido, permaneceram invisíveis. Ele se vê indo em direção à mesa. Um dos amigos puxa uma cadeira, o outro arruma as peças do jogo.

Eis que uma tempestade de olhos castanhos passa bem à sua frente. O mundo se esconde atrás de uma cortina desfocada, e deixa as cores, o palco, para ela. E é no encontro desses dois mundos que a cena se quebra como um vidro ao ser descartado. Os pedaços voam em todas as direções. Quem é você? - se perguntou com o coração apressado. A sua mente se revira, balança, e até gira, tentando juntar os cacos, tentando encontrar a continuação, mas só encontra... escuridão.

O que antes era filme torna-se álbum, e ele folheia, faminto, procurando por mais. Queria mais. Precisava de mais. E, para a sua surpresa, ela voltou a aparecer no fim do túnel de tantos beijos, de tantos sonhos, de tantas...

-Vovô!

Olhou para a criança que surgiu bem ao seu lado, não a reconheceu. Abriu a boca, tentou perguntar, mas a língua não o respondeu. Da sua impotência uma lágrima nasceu.

-Vovó Lourdes está esperando!

A solitária gota que escorreu pelo seu olho, antes de sumir, encontrou uma curva...

Um sorriso.